O Rio Grande do Norte é, curiosamente, o estado brasileiro mais próximo do continente africano, graças ao Cabo de São Roque, localizado no município de Maxaranguape. Embora a distância ainda seja significativa, iniciativas vêm aproximando os dois territórios—não porque o oceano esteja encolhendo, mas devido a esforços concretos de cooperação. Um exemplo disso é a parceria Sul-Sul entre a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e universidades africanas. Há quase duas décadas, esse acordo tem permitido que estudantes africanos venham se formar na instituição potiguar, fortalecendo os laços acadêmicos e culturais entre as regiões.
Coordenado pelo professor Francisco Fransualdo de Azevedo, docente dos Programas de Pós-Graduação em Geografia e Turismo, o projeto começou com ações de extensão e, atualmente, já abrange o ensino e a pesquisa. “Nós iniciamos com a extensão, há 15 anos, avançamos para o ensino, formação de docentes, e estamos acionando elementos da pesquisa, porque as teses e dissertações estão se transformando em artigos científicos e em livros”, destaca.
A jornada teve início com uma ação de extensão em Uganda, em 2009, voltada a mulheres vítimas da guerra civil e de grandes epidemias, como malária e AIDS. Pequenas produtoras, muitas viúvas e responsáveis pelo sustento de famílias com, às vezes, mais de oito filhos, participaram de atividades, oficinas e rodas de conversa baseadas no associativismo e na economia solidária. O objetivo era viabilizar o acesso a determinadas políticas públicas.

Com os ganhos proporcionados pela extensão, tornou-se possível avançar para o ensino. Universidades africanas passaram a convidar a UFRN para participar de bancas, ministrar cursos, palestras e organizar eventos. Para celebrar os dez anos da cooperação, em 2020, o presente foi a realização de um antigo desejo: trazer professores africanos para cursarem doutorado na UFRN.
“Durante esses dez anos, eu percebia essa carência na formação de professores, principalmente doutores. No contexto acadêmico de lá, a grande maioria dos professores têm apenas a graduação ou mestrado. Nós poderíamos recebê-los, e a universidade sempre se mostrou aberta e querendo essa cooperação para qualificar profissionalmente professores do Brasil e de fora”, conta o professor Francisco Fransualdo. Nesse contexto da cooperação, já foram formados mais de dez doutores africanos, além de vários mestres de diferentes universidades.
Foi a partir desse desejo que, em 2023, Anastância Mucuho veio à UFRN realizar seu doutorado. Graduada em Ciências Agrárias e orientanda do professor Fransualdo na área da Geografia, ela é natural de Moçambique e atua como docente na Universidade de Save, em seu país natal. Para ela, a principal motivação em vir para o Rio Grande do Norte era, além da cooperação Sul-Sul, o nível de excelência da universidade.

“Meu país tem uma ligeira dificuldade na questão da continuação dos estudos, mestrado e doutorado, e a formação moçambicana envolve pagamento. Tive acesso à UFRN graças a esse vínculo que o professor Fransualdo tem com as universidades de Moçambique. Quero acreditar que com esse doutorado posso trabalhar com a agricultura no contexto geográfico”, diz a doutoranda.
Anastância ainda ressalta o privilégio de vivenciar essa experiência em um curto período, já que, em seu país, além da necessidade de pagar pela formação, o tempo de conclusão pode variar de sete a dez anos. “Essa ligação que o professor Fransualdo desenvolveu com a África é de muito valor. Estou aqui para viver essa experiência. Ao final de tudo, me tornarei outra pessoa”, complementa.
Outro exemplo desse exitoso acordo ocorreu em 2019, com a aprovação de um convênio para qualificar os professores da Escola Superior de Hotelaria e Turismo de Inhambane (município de Moçambique), com o auxílio do Programa de Pós-Graduação em Turismo. “Podemos dizer que entregamos à sociedade moçambicana um grupo de professores qualificados em nível de doutorado que certamente irá replicar as nossas metodologias, experiências e vivências”, afirma Fransualdo.
Vivências pessoais
Muito além do ganho profissional que a Cooperação Sul-Sul traz, existem as realizações pessoais adquiridas durante os anos de projeto. Para o professor Fransualdo, apesar dos desafios, é um trabalho prazeroso de se fazer e que traz um sentimento de realização pessoal e humana imensurável. “Costumo dizer que, estar em África, para mim, é razão ímpar de aprendizado. Quando estou no hotel, abro os olhos e olho pela janela, já estou vendo algo que está me fazendo refletir sobre a vida e aprendendo sobre resistência, resiliência, lutas. Para mim, é um laboratório vivo de vivências, de experiências, de aprendizado. É impressionante.”

O docente ainda destaca que os aprendizados junto ao povo africano seguem com ele, dentro e fora da sala de aula. “O hábito de consumir alimentos à base de milho, feijão e batatas, por exemplo, me acompanha desde a infância, no seio da minha família”, diz. Ao observar os costumes alimentares na África, ele se reconhece: “Lá, o consumo de produtos naturais e sem uso de transgênicos é comum. É exatamente essa cotidianidade que busco mostrar aos meus alunos e como isso tem relação com a nossa realidade, com a nossa cultura.” Para Fransualdo, essas semelhanças revelam um elo ancestral. “Nós podemos afirmar que somos muito África. Gostamos de batata, de feijão, de milho. Isso está na nossa ancestralidade, envolve nossos indígenas e a cultura africana”, especifica.
Porém, apesar dos bons momentos, por vezes há também episódios de tensão e nervosismo no continente. O pesquisador conta que, em sua última viagem, realizada em novembro de 2024, no dia da chegada a Maputo (capital de Moçambique), estavam ocorrendo manifestações de repúdio ao resultado das eleições por parte do partido derrotado e, por esse motivo, foi preciso deixar imediatamente a cidade. Segundo Fransualdo, esse foi um dos momentos de maior insegurança estando no território africano.
A situação, no entanto, não diminuiu a vontade de firmar, ainda mais, os laços da UFRN com as universidades locais. Manter viva essa ponte entre alunos e professores africanos e brasileiros é o que realiza, pessoal e profissionalmente, os dias de Francisco Fransualdo há 15 anos. “Quando percebemos as trocas de saberes, as experiências cruzadas, compartilhadas, vemos o significado desse trabalho. E a minha motivação em continuar vem disso, dessa capacidade de abrir portas, de possibilitar conhecimento numa perspectiva mais ampla”, finaliza.
Trilhas Potiguares na África
Vinculado à Pró-Reitoria de Extensão (Proex), o Trilhas Potiguares é um projeto da universidade pensado para realizar intervenções em pequenos municípios do estado. Em 2017, ocorreu a primeira internacionalização do Trilhas. Com destino à África, cerca de 3 mil pessoas foram atendidas durante uma semana de ações. Agora, é a vez de repetir o feito. Entre os dias 4 e 16 de setembro de 2025, sete discentes de graduação e quatro alunos de pós-graduação poderão participar da segunda edição do Trilhas Potiguares na África. Este ano, as ações acontecem em Inhambane e Maxixe.
Francisco Fransualdo não esconde o entusiasmo em fazer dar certo essa iniciativa. “Se a gente conseguir aportar recursos para que a segunda edição do Trilhas Internacional aconteça, acredito que será um grande feito da UFRN, uma ação de fundamental importância no processo de internacionalização.” Os resultados da edição anterior atestam esse impacto, pois várias ações decorreram das vivências pretéritas, a exemplo de eventos científicos, formação de professores, publicações, entre outros. “Estamos trabalhando com muito entusiasmo e expectativa pelas próximas edições do programa”, conclui.
Plano de Gestão 2023-2027
A Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) prevê, segundo seu Plano de Gestão, no quadriênio 2023-2027, certos objetivos estratégicos. Dentro deles, a Cooperação Sul-Sul enquadra-se no objetivo 1, intitulado Excelência Acadêmica, focado no fortalecimento e ampliação da internacionalização, por meio de parcerias estrangeiras e do desenvolvimento de pesquisas de interesse global.
Imagens: Francisco Fransualdo
Fonte: Agecom/UFRN