Lares onde vivem crianças menores de 10 anos têm percentuais maiores de insegurança alimentar do que a média brasileira, e nas regiões Norte e Nordeste, o quadro é particularmente mais grave, segundo dados divulgados nesta quarta-feira (14/9) no 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (VIGISAN).
No Norte, 51,9% dos domicílios com ao menos uma criança menor de 10 anos têm nível moderado ou grave de insegurança alimentar; no Nordeste, este percentual é de 49,4%. A insegurança grave é considerada como o mesmo que “fome”; já a insegurança moderada ocorre quando a quantidade e qualidade da alimentação são insatisfatórias e há, por exemplo, quebra na rotina de alimentação por conta da falta de alimentos.
Nessas regiões, os percentuais mais preocupantes de insegurança moderada e grave nos lares com crianças foram registrados no Maranhão (63,3% dos domicílios), Amapá (60,1%), Alagoas (59,9%), Sergipe (54,6%), Amazonas (54,4%), Pará (53,4%), Ceará (51,6%) e Roraima (49,3%).
Outras regiões tiveram percentuais mais baixos nesses níveis de insegurança alimentar — 37,3% no Centro-Oeste, 32,6% no Sudeste e 25% no Sul — mas, mesmo assim, a situação é considerada preocupante em vários de seus Estados.
“É um cenário esperado encontrar as formas mais severas de insegurança alimentar em famílias que têm pelo menos um menor de idade. É muito comum isso, não só no Brasil, mas em pesquisas internacionais”, afirma Rosana Salles, professora do Instituto de Nutrição da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisadora da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN).
Outros dados do relatório reforçam que o Norte e Nordeste “têm uma gravidade maior no acesso à alimentação”, nas palavras de Salles. Ela destaca que processos históricos explicam um menor desenvolvimento econômico — e, em consequência, piores indicadores sociais — nesses locais, embora haja variações internas importantes de Estado para Estado.
Mas, nacionalmente, os dados mostram que, em pouco mais de um ano, a fome praticamente dobrou nas famílias com crianças menores de 10 anos, passando de 9,4% em 2020 para 18,1% em 2022.
“Quando você tem famílias só de adultos, é como se a gente tivesse mais arranjos: reduzindo a quantidade de comida, deixando para comer no trabalho… A preocupação existe, mas há sempre uma reorganização.”
“Quando há crianças, o filho é sempre protegido nessa distribuição de alimentos. Se tem que restringir a quantidade de comida, é a criança quem come mais, e os adultos reduzem sua quantidade.”
“Mas a criança exposta à restrição alimentar vai estar comprometida em uma série de questões: no desenvolvimento cognitivo, rendimento escolar, resposta imunológica a doenças”, enumera.
Sudeste tem maior número de pessoas com fome
No Brasil, considerando todos os domicílios e não apenas aqueles com crianças, a média da população na desejável situação de segurança alimentar foi de 41,3% (regionalmente, foi de 28,4% no Norte; 31,9% no Nordeste; 40,5% no Centro-Oeste; 45,4% no Sudeste; e 51,8% no Sul).
Outros 28% da população brasileira foram considerados como sofrendo de insegurança alimentar leve, quando há preocupação se haverá disponibilidade de comida no futuro e ocorre redução na qualidade da alimentação como estratégia de racionamento. Por fim, o relatório afirma que 15,2% da população brasileira sofre de insegurança alimentar moderada e 15,5% passa fome (25,7% no Norte; 21% no Nordeste; 13,1% no Sudeste; 12,9% no Centro-Oeste; e 9,9% no Sul).
Em números absolutos, e não em percentuais, o Sudeste tem o maior volume de pessoas em situação de fome, das quais 6,8 milhões estão no Estado de São Paulo e 2,7 milhões no Rio de Janeiro.
O relatório explora ainda outras características relacionadas à insegurança alimentar, mostrando que as famílias mais vulneráveis são aquelas com renda inferior a meio salário mínimo por pessoa, cujos chefes estão desempregados ou trabalhando precariamente, as altamente endividadas ou com baixa escolaridade.
A Rede PENSSAN, que realizou o estudo, é composta por pesquisadores e professores de diversas instituições e universidades. O Instituto Vox Populi foi responsável pelo trabalho de campo, que incluiu uma amostra de 12.745 domicílios pelo Brasil. Os dados foram coletados entre novembro de 2021 e abril de 2022. Para medir os níveis de insegurança alimentar, foram feitas oito perguntas da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), que considera desde a preocupação das pessoas sobre sua alimentação à concreta falta de comida.
Os resultados revelam que o período de pandemia agravou as condições sociais no Brasil, pioras que, segundo o relatório, já vinham sendo constatadas em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) desde o final de 2015.
“Nos últimos anos, vimos a redução de políticas sociais de combate à fome, a redução do poder de compra do salário mínimo, o aumento do preço dos alimentos. As famílias nas regiões Norte e Nordeste são as mais afetadas por tudo isso”, afirma Rosana Salles, para quem o objetivo do país deve ser voltar ao percentual de apenas 3,2% dos domicílios em situação de insegurança alimentar grave constatado em 2013 pelo IBGE.
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Fonte: Potiguar Notícias