Cuidou para ter certeza de que estivessem a sós no quarto que ficava nos fundos da casa velha. Tire o short!, dizia.E em pouco tempo o short deslizou abaixo do joelho, enquanto ela, deitada, encarava-o com aquele seu olhar tonto. Era um casal desajeitado. Selma e Pedrinho. Selma contava quase vinte e dois anos, enquanto Pedrinho ainda jogava biloca. Todo mundo dizia na casa de Pedrinho que Selma tinha problema na cabeça, que não era boa do juízo. Mas Pedrinho não ligava. Foi com Selma que Pedrinho deu seu primeiro beijo de língua, aliás. Mas ficava só na língua mesmo. Selma queria se manter virgem, o que sempre frustrava os planos de Pedrinho. Tinha medo do que Deus faria quando chegasse o dia do Juízo e percebesse que não era mais moça, para desespero de Pedrinho, que a tinha ali a sua frente, com as pernas abertas, do jeito que veio ao mundo. Pedrinho,só olhar…
Para os amigos de Pedrinho, Selma não passava de uma empregada. A chamavam de Louca do rabo grande, referindo-se a sua estupidez e ao tamanho de sua bunda. Para Selma, o que tinha com Pedrinho, mesmo às escondidas, era algo próximo de um namoro. “Vai dizer que tu nunca olhou praquela bunda?” diziam seus amigos. Daí Pedrinho ria também, igual a seus amigos, ainda que no fundo não gostasse daquilo. Uma coisa era certa: Selma era grata às roupas usadas, pratos de comida e cestas básicas que ganhava de D. Márcia, e que levava à família de muitos irmãos.
Pedrinho?
Oi.
“cê” tem vergonha de mim?
Por quê?
Porque cê não diz pra sua mãe e seus amigos que me namora?
Como é que você é minha namorada e não deixa eu…
Eu não posso, Pedrinho. Quando Deus me chamar, preciso tá pronta…
Sussurravam no ouvido um do outro, nus, em cima da cama.
Eu amo você, Pedrinho…Você me ama? Você me ama?
Eu… Eu amo, sua doida!, respondia.
Então era terminar o final de semana e Selma voltar para a casa onde morava numa estreita vila imunda. Cuidar da escadinha de irmãos ranhentos sujos e descabelados. Da avó quase cega que também dependia dela, pois a mãe acordava antes do sol nascer para trabalhar. Fora essa avó que lhe incutira o medo, as ameaças com o fogo e a chuva de enxofre vindas do céu! Está escrito!, dizia a Selma desde criancinha. Lições que aprendera a custo de gritos e cascudos. Selma conduzia a avó para fazer suas necessidades, bem como a levava à igreja para escutar a palavra. Menina boa. Temente a Jesus, temente a Deus! Pena que nasceu assim, burra. Mas ore! Ore! Quem vai lhe dar um bom marido é Deus, né ninguém não!Quando aquele lá de cima quer, não tem quem faça o contrário! Dizia a avó.
Então Selma orava. E pensava em Pedrinho como seu noivo, a esperando no altar, que até aquela aquela altura não falava a ninguém sobre o namoro dos dois. Não sei quem puxou esse menino, dizia D. Márcia, enquanto todas as noites era aquele desassossego no quarto dos fundos, atrás daquelas paredes. D. Márcia, fingindo que de nada sabia, tratou logo de arranjar o casamento de Selma. Encontrou seu par romântico na figura de João Perneta, exímio pedreiro que puxava por uma perna e que também diziam ter um parafuso solto. Não raramente João Perneta chegava na casa de D. Márcia com presentes para Selma, os quais Selma sempre recusava. Mas, Selma, ele é perfeito pra você!, dizia D. Márcia, e se dobrava de tanto rir.
Aconteceu que um dia Selma não foi à casa de Pedrinho um final de semana. Dois, três Pedrinho perguntou para a sua mãe por que Selma não estava vindo mais.
Tá com saudade daquela vagabunda você também?
Pedrinho não entendeu o tom na voz de sua mãe, que sempre o enchia de mimos.
Ela tava dando em cima do seu pai! Eu descobri e botei pra correr aquela vadia! Incrível como todas as mulheres do mundo davam em cima de seu pai. A capacidade de ser irresistível que ele tinha. Principalmente quando ficava bêbado nos finais de semana, pensava Pedrinho.
Pedrinho só veio ter notícias de Selma anos depois, quando já estava grande. Terminou seus dias no hospital João Machado. Assim como soube que a mãe de Selma tentou provar que sua filha havia sido abusada sexualmente enquanto trabalhava na casa de Pedrinho.
E quem garante que aquela doida não tava mentindo ou delirando, que já não andava dando pra algum cara por aí faz tempo? Dizia D. Márcia na cozinha enquanto jantavam, na tentativa de livrar o esposo de qualquer traço de culpa. É que na rua o falatório foi grande por um tempo. E quem poderia ter sido? Você? Que nem tirou a catinga do mijo ainda? Ah, faça-me o favor! Falava aos gritos, batendo panelas, enquanto punha comida nos pratos. É que Selma dizia estar grávida. Grávida do Espírito Santo.