Estou apaixonada por uma pessoa. Penso nela durante o dia, sonho com ela durante a noite. Busco sua imagem como um gato curioso. Demoro-me no que ela tem a dizer. Atire a primeira pedra quem nunca esteve apaixonado, mas o ser nesta condição é um chato por natureza. Não se trata de uma crítica, é uma constatação. Não percebemos que somos monotemáticos, desinteressantes e desinteressados. Os assuntos preferidos são os que roçam a existência do ímã de nossos desejos, seja para enaltecer ou reclamar. Sim, porque a paixão é frustrante, inevitavelmente. Nada está à altura da fantasia. “Me apaixonei pelo que eu inventei de você”, cantava Marília Mendonça a plenos pulmões. Não à toa, tornou-se rainha de seu gênero e arrastou multidões.
Conheci um rapaz que também está apaixonado. Foi tão insuportável dividir o tempo com ele que chegou a ser constrangedor. Rio com a memória, porque percebo que queria eu falar sobre a minha pessoa ideal. Ele perguntou sobre ela, mas percebi que era para fins de comparação, o que me tirou a vontade. Poderia perder a disputa. Quem está sob os efeitos químicos da paixão não quer saber de defeitos. Faz o jogo do contente e ignora as fraquezas e os lados não tão bonitos. Todo mundo erra! Mas erro não combina com paixão, é tipo florido e quadriculado, no pior estilo Agostinho Carrara. Então a gente esconde! Até de nós mesmos. Principalmente de nós. Se alguém errou foi você, que achou que ela tinha errado! A vida segue.
Mas aqui começa o azar: relacionar-se é conhecer e conhecer não tem critério. Se a paixão é suficiente para flertar com o amor, deixe preparada a playlist da desilusão. Como uma caixa de remédios! Não se pretende adoecer; sabe-se que, eventualmente, acontecerá. Eu posso até conseguir suprir as necessidades dela e ela, as minhas, mas não por todo tempo. O caldo entorna. E como é delicada a pele humana, como se queima! O que sobrevive a isso, talvez se possa chamar de amor. Rubem Alves ilustra: “O milho da pipoca não é o que deve ser. Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro. O milho da pipoca somos nós: duros, quebra dentes, impróprios para comer, pelo poder do fogo podemos, repentinamente, nos transformar em outra coisa”. Talvez o amor seja mesmo isto: o que emerge quando a paixão estoura. São muitos milhos, muitas miragens, e, enquanto duram, têm o mérito de brilhar. Podem estourar com o calor ou sucumbir e queimar ao fogo.
Hipocrisia me impacientar com a paixão do outro, posto que sou apaixonada também.
Imagem: Vênus ao Espelho, de Diego Velázquez
Victória Rincon é uma talentosa escritora, jurista e poetisa que traz uma riqueza única de experiência e sensibilidade ao mundo das palavras. Com dois livros publicados na área jurídica e uma paixão ardente pela crônica e poesia, ela é uma figura multifacetada que deixa sua marca distintiva em tudo o que faz.