Após alcançar seu merecido reconhecimento, conquistando o prêmio de jogo mais impactante na “The Game Awards” de 2019 e acumulando uma nota de 83 no Metacritic, Gris conseguiu se tornar um título conhecido e adorado , mesmo vindo de um estúdio de games independente, e é difícil de acreditar que um jogo com esse currículo, não possui um diálogo, monólogo, ou sequer uma palavra dita por toda a sua duração.
Por ser um jogo com tanto simbolismo e tantas metáforas, cada jogador consegue chegar a suas conclusões e tirar o que acha pertinente do jogo, então opiniões variam, porém a comunidade de fãs dessa obra possuem um consenso geral sobre sua temática.
Gris e o processo de luto
Vazio/Perda
Negação/Raiva
As primeiras fases que são representadas no jogo são a negação e a raiva, após um prelúdio marcado por um sentimento de vazio, chegamos nas mãos da, agora destruída, estátua que representa sua mãe, Gris não consegue conter tantas emoções, levando suas mãos ao seu rosto e tendo uma explosão de sentimentos, espalhando tons de vermelho por todo o cenário, alterando sua paleta de cores, agora mais quente, primeiro modo que o jogo usa para representar a raiva.
Seguindo em frente, nos deparamos com um cenário arenoso, com uma leve brisa, após alguns segundos a trilha sonora agora transiciona para algo mais agitado, trazendo consigo ventos fortes que derrubam Gris, representando uma onda de raiva incontrolável em sua mente, a atrasando e desfazendo seu progresso.
Progredindo um pouco pela fase, Gris adquire a habilidade de se transformar em um bloco, aumentando seu peso porém prejudicando sua velocidade, contudo, agora com essa técnica o jogador consegue resistir ao vento sem precisar se abrigar, representando, talvez, uma maneira que a personagem encontrou para lidar com a raiva que sua experiência vem lhe causando, negando seus sentimentos apenas seguindo em frente, até finalmente encontrar as mãos da estátua novamente, novamente lidando com seu turbilhão de emoções, Gris explode emocionalmente outra vez.
Barganha
É preciso admitir que essa é a sessão mais difícil de se conectar com a narrativa das 5 fases do luto, porém ainda existem algumas simbologias que podem sim estar ligadas a Barganha. Esta seção é caracterizada pelos seus tons vibrantes de verde, uma possível ligação com o conceito de vida se relacionada com a teoria das cores, que vêm com a mudança de tonalidade do cenário, junto com o crescimento de uma fauna ao redor de Gris, transformando o que eram dunas em uma floresta rica e vivente.
Neste capítulo, encontramos uma pedrinha com vida, nomeada pela comunidade de “amigo da floresta”, que nos acompanha, inicialmente com medo, porém conforme o ajudamos a coletar frutas ele começa a confiar em nós, trazendo a primeira conexão com outra figura viva que temos no jogo, essa parte pode ser um símbolo para a barganha, já que buscamos uma conexão com uma figura pequena e indefesa, parecido com um filho, buscando ignorar o luto que estamos passando no momento.
Outro ponto alto que chega pelo fim dessa parcela do jogo é o encontro que temos com um Pássaro Negro gigantesco, que segue Gris pelo cenário tentando derrubá-la. Uma interpretação que podemos tirar desse personagem é que ele representa o acontecimento em si, a morte da mãe de Gris, que a persegue e tenta evitar sua superação, usando seu poder que ela ainda não tem nenhuma chance de superar, apenas usando sinos espalhados pelo cenário conseguimos prosseguir, podendo ser uma metáfora para como às vezes é preciso gritar mais alto que as vozes em nossa cabeça que tentam nos segurar.
Depressão
Com mais uma crise sentimental de Gris, o cenário é dominado por tons de azul e por uma chuva, imediatamente criando um tom melancólico. Logo no início, a personagem deve pular da estátua de sua mãe, para uma queda enorme, caindo em uma lagoa, representando o começo da queda de Gris para o ponto mais baixo de todo o processo de Luto, a depressão, o cenário é mais escuro, a música mais lenta e o efeito de sonoro de chuva causam uma sensação de pesar no jogador.
Após uma breve seção com puzzles, o jogador encontra um buraco, onde após uma grande descida, se vê no que o jogo têm de mais próximo de uma fase aquática, porém não estamos em uma fase aquática típica da série Mario Bros, aqui o cenário é consumido pela escuridão, com paredes negras, um mar escuro dando um tom denso, com uma trilha lenta e pesada, nos sentimos, junto com a personagem, no fundo do poço.
Conseguimos outro poder nessa parte, agora podemos nadar muito mais rapidamente e eficientemente e com isso, vamos chegando cada vez mais fundo, afundando cada vez mais e mais no esgotamento e no stress, até alcançarmos uma estátua, com uma mulher em queda livre, simbolizando essa queda repentina e desesperadora até o fundo do poço.
Essa estátua não é uma parte do jogo principal, não sendo um ponto necessário para zerarmos o game, um toque especial que mostra que é possível, através de muita tentativa, de não chegar no fundo do poço da depressão, e ficar em queda livre sem esperanças. Encontrando essa estátua, o jogador conquista a propriamente nomeada: “Depressão”.
Aceitação
Mesmo chegando no fundo do poço, conseguimos escapar, conseguimos retornar a superfície e após uma série rápida e única de puzzles desbloqueamos a última habilidade do jogo, e a minha favorita, Gris recupera a capacidade de cantar, ecoando a mesma melodia que cantava na abertura do jogo, junto de sua mãe, um momento belíssimo que faz o jogador refletir até onde chegou, principalmente quando comparamos com a seção anterior, o cenário é banhado por um tom de rosa leve, representando o amor que finalmente conseguimos sentir novamente, nosso canto cria vida ao nosso redor e finalmente conseguimos nos expressar de uma maneira própria.
Tudo tem a sensação de apenas uma volta da vitória, coletando as últimas peças que precisamos antes de conseguirmos finalizar o jogo e alcançar os céus, para seguir assim nosso próprio caminho, porém após mais alguns puzzles, temos um último encontro com o pássaro negro, porém desta vez ele assume uma forma peculiar.
O vazio, a escuridão que estava nos enfrentando, assume uma forma como a nossa, escancarando como todos os problemas que estava nos causando vinham de nós mesmos, nossos sentimentos que não estavam sendo comunicados estavam tentando nos arruinar, e Gris é forçada a encarar que quem mais estava a machucando nesses últimos capítulos, era ela mesma, seus próprios pensamentos que foram ocultados, mas agora que reconhecemos nossa fraqueza, podemos por fim seguir em frente.
Sequência Final
Os últimos momentos desse jogo mostram como tomar o tempo para processar um processo tão pesado e que demanda tanto, já que Gris tenta finalmente seguir em frente, se reconectando com sua mãe apenas através de memórias e percebendo que isso para ela é o suficiente, e mesmo com a escuridão e o luto tentando impedi-la, seu canto e sua conexão com sua mãe são fortes o bastante para prevalecer e superar.
Texto de Mark Strutsel
Fontr: GameBlast
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